20.11.05

 

Um Infatigável Viajante

Anteontem, pelos intermináveis, inesperados caminhos do correio electrónico, consumada maravilha da nossa tecnológica era, recebi, em forma de humorística nota de registo, uma pequena maldade, levemente perversa, que alguém quis fazer ao reincidente Candidato Mário Soares.

Trata-se da relação das viagens que Soares efectuou, como Presidente da República Portuguesa, nos anos (1986-Janeiro de 1996, perceber-se-á à frente a razão do pormenor) em que desempenhou essa função ou, mais bem dito, esse alto e prestigiado cargo ou ainda, como também já se disse, a mais alta magistratura da Nação.

Tinha eu, obviamente, como todos os portugueses, a noção de que Soares viajara imenso, mas a descrição, um tanto pormenorizada, que, na dita relação, se mostrava à frente de meus esbugalhados e quase incrédulos olhos, reavivara-me de súbito a minha mui estimada memória.

Em modo resumido, anotarei aqui, para os nossos estóicos concidadãos poderem igualmente recuperar dos escaninhos dos seus sobrecarregados cérebros esses fugidios dados, porventura já algo esmaecidos, os principais elementos dessa nota recebida.

Naqueles dez dourados anos, Soares realizou qualquer coisa como 145 viagens presidenciais pelo mundo, percorrendo, segundo lá constava, 992 809 km, gastando nessas alegres caravanas cerca de 580 dias, o que equivale a dizer que Soares andou mais de ano e meio em animadas digressões atravessando continentes pelos mais diversos climas.

Por momentos, aflorou ao meu espírito o título do livro que a criativa imaginação de Júlio Verne produziu – Dois Anos em Férias. Soares não chegou lá, mas aproximou-se bastante desse marco, com a extraordinária circunstância de o ter feito em serviço, em regime de ajudas de custo. Abençoado regime e mais quem o inventou que tais obséquios concede, ainda que apenas a raros eleitos.

Dispondo-se de limitado pecúlio, mais vale favorecer uns poucos, com exuberância, que distribui-lo equitativamente por muitos, deixando todos insatisfeitos.Deve ser este o pragmático critério dos nossos excelsos republicanos, laicos e, quiçá até, socialistas.

Para confirmar um dos dados, fui relembrar-me do valor do raio da terra – Rt = 6378 km – e, só com a matemática da antiga Grécia, ainda hoje a mais utilizada, obtido o perímetro da Terra, fui ver quantas vezes este cabia naquele gordo número acima citado, o dos périplos soaristas.

Cheguei naturalmente a esta fantástica relação: cerca de 25, ou seja, Soares conseguiu este feito absolutamente notável, digno de figurar em qualquer arquivo de excentricidades, de ter realizado cerca de 25 voltas à Terra enquanto foi Presidente da assaz modesta República Portuguesa. Pobre Fernão de Magalhães, seu distante antecessor no cometimento, que nem pôde terminar a sua pioneira aventura !

Nos tais dez fantásticos anos, visitou Soares 57 países, alguns por várias vezes, como a Espanha e a França, ambos por mais de 20 vezes. Há mesmo anos verdadeiramente pródigos, como o de 1994, em que vai duas vezes ao Brasil, uma no início e outra no fim do ano, passando, só nestas duas visitas, 20 animados dias da sua certamente palpitante vida.

Aliás, neste, presumivelmente para si, maravilhoso ano de 1994, entre as suas agitadas tarefas de «descooperação» institucional, como a Conferência Portugal e o Futuro, os jantares no Avis, com a corte de indefectíveis camaradas, sempre prontos a salvar a Nação mal conduzida, logrou Soares, ainda assim, efectuar 23 frutuosas viagens oficiais, gastando nelas 104 dias; é verdade que ao serviço do País, com a autorização da compreensiva e benevolente Assembleia da República; em todo o caso, averbando neste ponto um registo difícil de igualar, apesar da emulação tampouco despicienda de quem se lhe seguiu.

No ano de 1996, a poucas semanas de concluir o seu segundo e definitivo – pensaríamos nós – mandato, quando iria ser substituído na função por um correligionário, homem de verbo fácil, analogamente habituado às lides tribunícias, tão do agrado de Soares, o que decerto o deixaria tranquilizado, ainda achou disponibilidade para, esforçadamente, fazer mais uma visita de Estado a Angola, nos primeiros dias de Janeiro desse, julgaríamos nós, desavisados ingénuos, derradeiro ano de despedida das ambições políticas de Soares.

Se somarmos a tudo isto os percursos das viagens que fez quando foi Ministro dos Negócios Estrangeiros dos primeiros Governos Provisórios, logo a seguir à Revolução de 25 de Abril de 1974, as viagens como Primeiro-Ministro, como Secretário-Geral do Partido Socialista, como dirigente da Internacional Socialista, como Deputado Europeu, como Conferencista, coleccionando Doutoramentos Honoris Causa, as viagens particulares, as do exílio, etc., etc., quantas mais voltas à Terra terá dado este verdadeiro «Cavaleiro Andante» da nossa parca, mas generosa, pátria lusitana !

Se, cumulativamente, nos recordarmos das largas comitivas que sempre acompanhavam Soares e da alentada logística que as mesmas justificadamente requeriam, poderemos estimar, ainda que por alto, mesmo acreditando que Portugal haja retirado alguns benefícios dessas exuberantes viagens, os elevados encargos que daí advieram.

A frequentemente citada relação custo/benefício, tão do agrado dos nossos magníficos Gestores, deve ter ficado aqui deveras interessante. Haja quem a calcule, numa oportuna tese de Mestrado ou de Doutoramento, para nosso espiritual descanso ou inexorável irritação.

E aqui temos, deliciados concidadãos desta vetusta e depauperada Nação, como, sendo a Ordem pobre, podem alguns Confrades nela viver à rica, no caso, talvez à francesa, dada a preferência cultural do nosso novel Candidato, apesar de reincidente na pretensão, a Presidente da República.

Que melhor currículo poderá Soares apresentar para nos tirar da «apagada e vil tristeza» em que inapelavelmente nos achamos, ao cabo destes trinta gloriosos anos de uma algo distraída Democracia, generosa para alguns, avara para muitos, não obstante a costumada retórica parlamentar nos afiançar a sua putativa vocação libertadora, igualitária, fraternal e solidária.

Ânimo, ainda assim, sofredores cidadãos de inquebrantável têmpera, que melhores dias hão-de vir, sobretudo se não quisermos premiar a diversão, a pândega, a alegre e despreocupada leviandade que nos trouxe até à actual crise, amarga e persistente, a qual, pese a conveniente amnésia de muitos, tem, contudo, paternidade conhecida.

Nunca disto nos esqueçamos, prezados Concidadãos nossos ! Para mais, consolemo-nos, que os crimes morais, historicamente, não prescrevem nunca, ainda que fiquem todos por punir !

Bom resto de fim-de-semana, com castanhas assadas e vinho novo, se o puderdes assim passar, meus amáveis e condescendentes Compatriotas, que, ao longo da nossa rica mas conturbada História, já muitos santos de pau carunchoso temos venerado !

É hora de arrepiar caminho, de sair do Nevoeiro, como há muitos anos já o grande Pessoa nos aconselhava...

AV_Lisboa, 20 de Novembro de 2005

10.11.05

 

Credo Político

Os últimos textos que aqui tenho publicado são comprovativos, julgo eu, do meu já «antigo» interesse por temas de índole social.

Sem embargo da sua discutível valia, o que relevo é a preocupação, pelo menos intelectual, que eles traduzem, por esses temas, numa pessoal tentativa de os compreender, para os poder julgar, dado que, obviamente, não disponho de poder para aplicar uma sequer das conclusões que considero já legítimo retirar desta reflexão entretanto empreendida.

Nas ideias, como alguns saberão, sempre fui liberal, mesmo quando, na mocidade, simpatizava com visões políticas mais arrojadas ou, talvez mais bem dito, radicais. Nunca me seduziu a interdição do exercício especulativo, mesmo de temas que, aparentemente, não reunissem interesse prático.

No plano sócio-económico, todavia, não sou liberal, nem neo-liberal, muito menos ultra-liberal, o que quer que tal signifique, nos dias de hoje, mas social-democrata, também com a dúbia interpretação que o termo presentemente possa suscitar.

Rejeito o pensamento económico e social dito moderno, ultra-liberal ou neo-liberal, porque, justamente, prezo demasiado a coesão das sociedades, pilar fundamental da nossa sã convivência colectiva, sem o que as ditas sociedades resvalam para condições de crescente egoísmo, que geram indiferença pela sorte dos demais cidadãos, não só dos economicamente mais fracos, como logo se pensa.

Daí nascerá – fatalmente – a progressiva quebra – perigosa – da solidariedade que deve existir nas nossas relações de interdependência social, para nosso próprio bem, que será, afinal, o sempre buscado comum e definitivo bem, incansavelmente imaginado e preconizado pelos pensadores de todos os tempos.

Sou a favor de um papel interventivo moderado, mas actuante, do Estado, como elemento regulador dos conflitos que resultam das diversas perspectivas, por vezes antagónicas, dos diferentes grupos interesses que naturalmente surgem na vida das sociedades.

Entendo que determinadas funções sociais, como a Defesa, a Segurança, o Ensino, a Saúde, devem caber, predominantemente ao Estado. O sector privado pode aqui intervir, mas apenas com função supletiva, nunca principal.

Julgo que a História, ao contrário dos seguidores de Fucuyama, está longe de ter chegado ao fim e tampouco acredito que a Democracia representativa, como nós a conhecemos actualmente, seja a forma última, final, de Governo a que possamos aspirar.

Aceito com naturalidade que as minhas opiniões sejam criticáveis, havidas até, para alguns, por superficiais ou mesmo erróneas, mas afianço que são genuínas, porque resultam da minha própria meditação sobre esses assuntos, reflectindo, com certeza, leituras e outras influências, que todos nós, ao longo da nossa vida, sofremos, desde logo, pelo simples facto de vivermos em sociedade.

Todas essas influências, no meu caso, permita-se-me a imodéstia, passam pelo crivo da consciência, naquela função eminentemente reflexiva que caracteriza a condição humana. Só depois, por maturação meditativa, elas se transformam em pensamento próprio.

Eis, em palavras singelas, uma espécie de descrição, acidental, porque não procurada, de um «processo de apreensão da realidade», do meu, pelo menos, com perdão dos filósofos que aqui me lerem, habitualmente ciosos do seu formalismo expositivo.

Le violà, assim mesmo dito, para usar uma expressão agora rememorada pelos convulsivos acontecimentos em terras gaulesas, que, de há quase uma quinzena de dias, a televisão nos despeja, em nossas casas, ante nossos estupefactos olhos.

AV_Lisboa, 10-11-2005

8.11.05

 

As Comparações São Odiosas

As fotografias dos bairos de lata – bidonvilles – dos portugueses alojados em Champigny, nos arredores de Paris, nos anos 60 do século passado, que os colegas da Grande Loja do Queijo Limiano, oportunamente, foram recuperar para nos reavivar a memória, elucidam-nos de forma clarividente sobre as condições de vida agrestes que os nossos compatriotas ali tiveram de suportar.

Comparados com estes bairros, sumamente precários, os dos actuais rebeldes «franceses» podem considerar-se de autêntico luxo : com jardins, parques infantis, centros de convívio, segurança social, subsídios de desemprego, de natalidade, de rendimento mínimo, etc.

Os portugueses daqueles ingratos tempos eram pobres, alguns quase analfabetos, vinham de um país atrasado, quanto a padrões europeus, pouco aberto ao mundo, não democrático no plano político, mas tinham, ainda assim, alguns activos fortes, porque possuiam hábitos de trabalho, espírito de sacrifício, perseverança e,para além disso, queriam melhorar a sua vida, tornar-se semelhantes aos franceses.

Em grande medida, passados pouco mais de vinte anos, pode dizer-se que o seu desígnio foi alcançado. Esse desiderato foi possível e, de certo modo, ficou facilitado, porque a sua base cultural era praticamente a mesma, de matriz cristã, com valores e conceitos muito análogos aos dos franceses, igualmente de cultura matricial cristã, apesar das revoluções, do laicismo, da maior liberalidade dos costumes, etc.

Nada disto acontece com os actuais imigrantes de origem africana e magrebina, que provêm de sociedades de cultura muito diversa, foram educados na base do ódio, do ressentimento e da contra-cultura, factores que, naturalmente, dificultam a sua integração nas comunidades em que presumivelmente se pretendem fixar.

Acresce a tudo isto, como factor agravante, que estas comunidades de inadaptados contam habitualmente com a cobertura de uma parte da intelectualidade francesa, largamente complexada, sobretudo a parisiense, da «rive gauche», onde predominam os considerados intelectuais bem-pensantes, com muita influência na Comunicação Social, sempre presentes e sempre solícitos para compreender e justificar toda a sorte de comportamentos anti-sociais, onde quer que eles ocorram, em particular, se tiverem como protagonistas negros ou muçulmanos.

Analogamente, a entrada descontrolada de sucessivas vagas de imigrantes, por egoísmo e comodismo das sociedades europeias, que, com tal expediente, apenas pretendem aproveitar mão-de-obra barata, submissa e sem direitos; a concessão facilitada de nacionalidade a pessoas que não mostram vontade real de se integrarem nas sociedades de acolhimento, mas procuram, acima de tudo, o acesso a subsídios e demais benefícios concedidos aos cidadãos nacionais; todos estes factores, afinal, acabaram por gerar o fundo sócio-cultural que produz os agora visíveis nocivos resultados, para os quais inexoravelmente não se enxerga solução fácil, muito menos imediata.

O futuro próximo, esforçadamente previsível, das sociedades europeias, sob este terrífico enquadramento, poderá tornar-se cada vez mais problemático, se se persistir em ignorar as verdadeiras causas de todas estas convulsões que, no presente, assolam a «nossa» ainda bela, elegante, distinta, mas fatalmente imprevidente França.

AV_Lisboa, 08 de Novembro de 2005

7.11.05

 

Comunidades Multi-Culturais : A Difícil Convivência

Aqui mesmo, já por diversos vezes, tenho abordado o tema das relações entre Comunidades que partilham o mesmo espaço físico.

Estas relações, desejavelmente de boa convivência, como repetidamente comprovamos, são sempre difíceis, potencialmente conflituosas, sobretudo, quando dimanam de culturas demasiado diferentes, porventura antagónicas, por falta de um quadro comum de valores e referências geralmente aceite e respeitado.

De novo volto a fazê-lo, impelido pelos recentes acontecimentos de Paris e de outras cidades da Pátria da Liberté, Égalité et Fraternité, que vive hoje, mais uma uma vez, horas agitadas, ainda que desta feita por acção de inesperados protagonistas.

As chamadas revoltas urbanas francesas que continuam, ao cabo de quase 15 dias, a ocupar os telejornais das cadeias de televisão internacionais, para espantosa surpresa de muitos, parecem alimentar um certo gosto mórbido por este tipo de fenómenos sociais, como se eles não fossem razoavelmente previsíveis, desde que a Europa, por puro egoísmo, comodismo e oportunismo, decidiu importar – desregradamente – massas de imigrantes, vistas como fonte de mão-de-obra abundante, dócil e barata : o verdadeiro paraíso para Empresários pouco escrupulososos.

Assim permaneceram, na sua mansa e resignada condição, pelo menos, os da primeira leva de imigração, i.e., aqueles que eram estrangeiros e podiam ser expulsos do país acolhedor, em qualquer altura, por prática de infracção grave às leis vigentes. Agora, com os da 2ª e 3ª gerações, já «europeus», a sua repressão, em caso de prevaricação sistemática, torna-se mais complicada. Desde logo, não poderão ser expulsos dos «seus» países adoptivos, façam o que fizerem, digam o que disserem.

Cabe aqui naturalmente questionar por que não fomenta a União Europeia o seu próprio crescimento demográfico, protegendo a família, em primeiro lugar, e auxiliando as famílias numerosas, em segundo, valorizando deste modo a função reprodutiva das suas sociedades, em lugar de recorrer sistematicamente ao expediente da importação maciça de imigrantes de outros continentes, alguns com notórias dificuldades de integração, por serem portadores de culturas muito dissemelhantes e até conflitivas com as dos países de acolhimento, factores que, mais tarde, hão-de gerar os consequentes sentimentos recíprocos de rejeição e, por fim, de revolta.

Curiosamente, muitos destes enfurecidos jovens, quando inquiridos sobre as suas identidades, afirmam não se sentirem franceses, mas marroquinos, argelinos, guineenses, etc., ainda que não manifestem o menor desejo de regressar a estes seus países do coração.

Mas nestes tumultos em terras gaulesas, primeiro que tudo, salta à vista a inépcia do Governo francês em lidar com eles. Com efeito, se apenas ao fim do 10º dia consecutivo de desordem e vandalismo, Monsieur Jacques Chirac se deu conta de que a prioridade está em restabelecer a ordem e a segurança nas cidades francesas, o menos que se pode dizer é que tenha sido lesto na apreensão da realidade.

Com ele, evidentemente, todo o Governo, incluindo o seu famoso Ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, com o pelouro da ordem e da segurança do território. À parte certas declarações suas deveras tonitruantes, algumas, no entanto, pouco adequadas, embora de modo nenhum possam ser entendidas como a causa da violência, a sua eficácia tem sido reduzidíssima, a avaliar pela propagação do fenómeno, desde que designou de escumalha os bandos de desordeiros que semeiam o caos e a destruição nos bairros periféricos das grandes cidades francesas já de si carecidos de equipamentos e infra-estruturas socias, como insistentemente alegam.

Se a linguagem de Sarkozy não primou pela elegância, mesmo atendendo à exaltação do momento, no contexto degradado em que ela se verificou, pior do que isso, é a sua completa inocuidade, com o acúmulo de danos e vítimas desde esse seu momento de enfado e irritação.

Em quase toda a Europa, sobretudo na União Europeia, desde há anos que os factores da desordem social não cessam de se multiplicar, com a inconsciência criminosa dos que têm a responsabilidade de prever as suas consequências.

O chamado mundo moderno, globalizado, que reduz as Nações e os seus cidadãos a meros conjuntos ou segmentos de mercado, tão-só consumidores, não tem encontrado tempo ou razão para se preocupar com este tipo de problemas.

Primeiro, minimiza-os, acha que eles se resolverão com a próxima retomada do crescimento económico; depois, conforma-se com o declínio demográfico dos seus países, encarando a imigração como panaceia universal para a escasez de mão-de-obra, dentro de uma visão julgada pragmática que não vê na população senão um factor de produção necessário para promover o crescimento económico. Melhor ainda se ela se mostrar disponível, barata e sem direitos sociais.

Entretanto, a inconsciência vai-se generalizando. Na dormência do consumo incentivado, ninguém parece importar-se com os tipos de sociedades que se estão a desenvolver. Serão o quê ? Nações ? Comunidades ? Estados ?

Que tipos de sociedades criamos, na base do multi-culturalismo exacerbado, sem respeito por referências comuns ? Onde ficou, que destino levou, o sentimento de pertença a uma Comunidade assente no culto de um passado comum ? Serão exequíveis os Estados baseados em tão dilaceradas Nações, com acirrados ódios entre si, desprovidas de sentimentos de solidariedade recíproca ? Não se justificaria rever cuidosamente as leis da Nacionalidade, no seio da União Europeia ? Que sentido fará chamar «francês» a quem não partilha nenhum traço de identidade cultural com outros franceses, nomeadamente, com os de origem ? A chamada globalização dos mercados terá resposta adequada para estes problemas ?

Eis alguns dos temas que aqui na União Europeia, sobretudo, deveriam constituir prioridade absoluta nas reflexões sociais que os Governantes costumam enaltecer, pelo menos, no plano teórico.

Sirva-nos a nós todos, europeus, cidadãos desta delicada União Europeia, de séria advertência o que se tem passado em França na última quinzena, se queremos evitar a temida confrontação generalizada entre comunidades.

Lembremo-nos de que, pese o precipitado vaticínio do mediático Fuckuyama, ainda não chegámos ao fim da História...

AV_Lisboa, 07 de Novembro de 2005

1.11.05

 

Pacheco Pereira Equivocado

Com toda a pertinência, no http://contundente.blogspot.com, o nosso conhecido e ilustre confrade, Sokal Bricmont, dá algumas fortes e competentes bengaladas políticas ao suposto companheiro, vedeta mediática, Pacheco Pereira, a propósito de um artigo que este assinou na revista Sábado.

Nele PP faz coro com as costumadas vozes neo e ultra-liberais sobre a inevitabilidade do fim do Estado de Bem-Estar Social, como o conhecemos, aqui na Europa, e que tanto nos seduziu, a nós portugueses, na perspectiva de uma adesão à União Europeia, finalmente concretizada em Janeiro de 1986.

Está, evidentemente, PP no seu livre direito de achar obsoleto e condenado o Estado Social europeu, embora, como membro proeminente de um Partido que se intitula Social-Democrático, tal atitude lhe assente mal, por completamente deslocada.Não faz mesmo nenhum sentido que um social-democrata não defenda este tipo de Estado com acentuadas preocupações de índole social, o mesmo que moldou as sociedades europeias desde o fim da guerra de 1939-45, para lhes dar o conforto que, ao longo de decénios, atraiu diversos povos deste e de outros continentes.

Pode aceitar-se a sua remodelação, reforma, actualização, o corte nos seus abusos, um maior rigor na atribuição das suas ajudas ou benefícios, etc., tudo o que possa esconjurar a ameaça que paira sobre o Estado de Bem-Estar Social, para assegurar a sua solidez ou sustentabilidade financeira, mas nunca se deverá aceitar o seu desmantelamento, que sempre se faria a troco de um prato de lentilhas, para usar uma expressão certamente do conhecimento antigo de PP.

Politicamente, só os liberais são consequentes, em teoria, para contestarem o Estado Social; os social-democratas não o devem fazer, por coerência doutrinária, no caso de a estimarem, mas, sobretudo, por obrigação de prática de solidariedade, coisa que os ditos liberais invariavelmente ignoram ou desprezam, principalmente quando se acham a bom recato dela, auferindo vencimentos irrealistas, exorbitantes, desproporcionados com o saber que possuem, a técnica que exibem, a ética que praticam ou mesmo com a devoção profissional que alegam perseguir.

De resto, os próprios liberais, sempre que podem, sobrecarregam o Estado, exaurindo-o a seu directo benefício e nunca disso se penitenciam, mostrando uma espantosa contradição entre a teoria que preconizam e a prática que revelam.

Pacheco Pereira, se, de facto, deixou de se interessar pela social-democracia prática, só terá de ser coerente com tal atitude e desligar-se desta área política, aderindo ou formando um novo partido mais vocacionado para a propaganda do Estado Liberal, sem preocupações de ordem social, basedo nas teorias puras e duras do Darwinismo social, com a sobrevivência dos «mais fortes» e o desaparecimento dos mais fracos ou dos menos dotados.

É para esta doce realidade que os gurus da Gestão ultra-liberal continuamente nos empurram, dando-nos como inexequível o Estado de conforto social europeu, até hoje, o que criou sociedades mais equilibradas, em quase todos os campos que queiramos evocar, desde a saúde, ao ensino, à cultura, à ciência, ao lazer, à ordem, ao respeito do ambiente, enfim, a tudo aquilo que torna a vida agradável, civilizada, para um número muito vasto de cidadãos.

Para um objectivo social destes, vale a pena empenharmo-nos na Política ; para manter um Estado mínimo, ineficiente, incompetente, desautorizado, desrespeitado, sem consciência social, não se justifica nenhum empenho político, bastará deixar as coisas seguirem ao critério dos mais fortes, que, a breve trecho, se tornarão cada vez mais fortes, mais ricos e, naturalmente, monopolizadores e abusadores do Poder, que tenderão a encarar como um seu direito natural, a exemplo do Direito Divino de antanho invocado pelos Monarcas Absolutos. Alguns acabaram mal, como sabemos e julgamos desnecessário referir.

Para que não caminhemos para esse fim, será bom que não desvalorizemos o Estado de Bem-Estar Social, sobretudo aqueles que se dizem socialistas ou social-democratas, como me parece ser ainda o caso de Pacheco Pereira. Se não, melhor seria que ele próprio nos esclarecesse e depois agisse em conformidade.

Pacheco Pereira, que muitas vezes assume atitudes de grande mérito intelectual, ousando pensar pela sua cabeça, contra certos polícias do pensamento politicamente correcto, enveredou, neste artigo da revista Sábado, por uma via perigosa, equívoca quanto ao que pretende e quanto ao que propugna.

Veremos se, desta vez, PP reagirá às observações, agora críticas, que lhe fazem pessoas que o respeitam, apesar de, no passado, em ocasiões oportunas, o haverem justificadamente contactado, sem terem logrado a dignidade de uma resposta.

Também aqui : bem prega Frei Tomás.

Ou será que PP se julga regido pela máxima « De minimis non curat Praetor » ?

AV_Lisboa, 1 de Novembro de 2005

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